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Equalização do passivo fiscal na recuperação judicial

Um dos pontos que não foi alterado pela última reforma, introduzida pela Lei nº 14.112/20, na Lei nº 11.101/05, está relacionado ao artigo 57. Esse artigo estipula que, após a aprovação do plano pela assembleia geral de credores, o devedor deve providenciar certidões que atestem a ausência de débitos tributários, conforme os termos dos artigos 151, 205 e 206 do Código Tributário Nacional. Isso inclui certidões positivas com efeito negativo, quando aplicável.

Adicionalmente, a reforma trouxe modificações significativas em âmbito federal, impactando a Lei nº 10.522/2002. Os artigos 10-A, 10-B e 10-C agora estabelecem regras específicas para parcelamento e transação especial destinada a credores envolvidos em processos de recuperação judicial. Essas mudanças foram regulamentadas pela Portaria PGFN nº 2382/21, nº 9.917/20 (com alterações introduzidas pela Portaria PGFN nº 3026/21).

A introdução de regulamentação específica, com diretrizes mais favoráveis para facilitar a equalização do passivo fiscal federal por meio de parcelamentos ou transações especiais, gerou questionamentos sobre a manutenção da jurisprudência então vigente em relação à possibilidade de dispensar a exigência estabelecida no artigo 57 da LRF.

A complexidade do crédito fiscal surge da impossibilidade, por uma clara escolha legislativa, de homologar o plano ou concluir o processo de recuperação sem a devida equalização, mesmo que este não esteja sujeito aos efeitos da recuperação judicial.

Antes da implementação da reforma, a jurisprudência predominante sustentava que, diante da ausência de legislação específica, a apresentação de certidões negativas de débitos tributários era uma condição de difícil cumprimento para empresas em recuperação judicial. Esse entendimento possibilitava o afastamento da interpretação literal da lei, em conformidade com o princípio da proporcionalidade. Prevalecia a visão de que a exigência do artigo 57 não era nem apropriada nem necessária para a cobrança da dívida fiscal, além de inviabilizar o pedido de recuperação judicial, justificando assim sua exclusão.

No entanto, a reforma de 2020, ao manter integralmente a necessidade de regularidade fiscal e ao introduzir novos mecanismos para facilitar a equalização do passivo tributário, mais vantajosos e alinhados com a situação econômico-financeira de empresas em recuperação judicial, provocou questionamentos sobre a persistência desse entendimento.

Imediatamente após a entrada em vigor da Lei nº 14.112/20, o E. TJSP emitiu dois enunciados abordando a questão, destacando a essencialidade da regularização fiscal como requisito para a homologação do plano de recuperação judicial. Os enunciados XVIII e XIX afirmam: ‘Enunciado XIX, TJSP: Após a vigência da Lei 14.112/2020, constitui requisito para a homologação do plano de recuperação judicial, ou de eventual aditivo, a prévia apresentação das certidões negativas de débitos tributários, facultada a concessão de prazo para cumprimento da exigência. Enunciado XX, TJSP: A exigência de apresentação das certidões negativas de débitos tributários é passível de exame de ofício, independentemente da parte recorrente’.

Recentemente, a 3ª Turma do STJ deliberou que a exigência da regularidade fiscal é condição indispensável para a homologação do plano de recuperação judicial, reconhecendo que essa exigência representa um meio encontrado pela legislação para equilibrar os objetivos abrangentes do processo de recuperação, de um lado, e o interesse público representado pela Fazenda Pública, de outro (REsp 2.053.240, 3ª Turma do E. STJ, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).

A decisão em questão reconhece que as recentes normativas federais permitem a criação de um programa legal adequado para empresas em recuperação judicial, ressalvando, contudo, que a exigência de regularidade fiscal para concessão da recuperação, especificamente para débitos fiscais dos entes federativos, só pode ser implementada mediante lei específica desses entes. Essa decisão representa uma mudança no entendimento jurisprudencial ao validar a exigência do artigo 57 da LRF, desde que acompanhada por regulamentação adequada. Além disso, esclarece que a não comprovação da regularidade fiscal não impede a concessão da recuperação judicial ou a conversão em falência, sugerindo a suspensão do processo até a apresentação da comprovação fiscal, sem afetar os efeitos do stay period, orientando os tribunais a evitarem medidas drásticas em casos de impossibilidade de comprovação oportuna da regularidade fiscal durante a recuperação judicial.
A indicação de uma mudança no entendimento jurisprudencial destaca a importância de outros entes federativos também publicarem legislações específicas para permitir o parcelamento e a transação fiscal para devedores em recuperação judicial.

Recentemente, a Lei Estadual de São Paulo nº 17.843, publicada em 7/11/2023, estabeleceu condições para parcelamento e transações fiscais destinadas a empresas em recuperação judicial ou falimentar, conforme indicado pelo seu artigo 15, §5º. Esta legislação oferece vantagens, como a possibilidade de parcelamento em até 145 vezes, descontos e migração de sistemas. A existência de regulamentação específica para empresas em recuperação judicial, promulgada por entes fazendários, pode facilitar a aplicação do artigo 57 da LRF, promovendo assim uma ampla equalização do passivo fiscal. No entanto, ainda persistem questões que possivelmente exigirão análise por parte da jurisprudência.

Diante de normativos fiscais que não estejam em conformidade com a legislação federal, questiona-se a possibilidade de afastar a exigência do artigo 57 da LRF, caso as condições para parcelamento ou transação não se adequem à realidade da empresa em crise. Além disso, surgem dúvidas sobre a suspensão dos efeitos do stay period devido à discrepância de tempo no processamento administrativo entre os entes fazendários e a recuperação judicial. Apesar de possíveis questionamentos, a decisão judicial analisada neste artigo sinaliza uma mudança significativa no tratamento do crédito fiscal no contexto das recuperações judiciais.